Ipanema em 1902 por Marc Ferrez
A restinga hoje ocupada pelos bairros de Ipanema e Leblon já era habitada desde priscas eras. Com efeito, há provas que os primeiros agrupamentos indígenas assentaram naquela região por volta do século VI. Um mapa francês de 1558 situa duas aldeias tamoias naquelas plagas, uma em Ipanema (aldeia “Jaboracyá”) e outra no Leblon (aldeia “Kariané”). Ambas sobreviveram aos primeiros anos da cidade, mas foram eliminadas em 1575 pelo “Governador da Parte Sul do Brasil”, Antônio de Salema, natural de Alcácer do Sal (152? -1586). Desejoso daquelas terras, Salema, em seu mandato de três anos (1575-1578) mandou colocar roupas de doentes nas matas da região, eliminando os índios por contágio. Na parte onde hoje está o Jardim Botânico, mandou erigir um engenho de cana, ao qual denominou “D`El Rei”. O engenho não deu certo de início e em 1584 foi sugerida sua venda. Quatorze anos depois, ele foi vendido ao Vereador Diogo de Amorim Soares, vindo da Bahia (1558? -1609?), que o rebatizou de “Engenho de Nossa Senhora da Conceição da Lagoa”. Soares, retirando-se da cidade em 1609, revendeu as terras no ano anterior a seu genro, Sebastião Fagundes Varela, natural de Viana do Castelo (1563-1639), casado com sua filha Da. Maria de Amorim Soares (1589-1676). Fagundes logo ampliou as instalações do engenho e, para tal, cobiçou para sua empresa os terrenos de marinha.
Os primeiros proprietários das praias da zona sul carioca, afora os índios tamoios, foram poucos portugueses. Em 1603 Antônio Pacheco Calheiros (1569? -1634), vereador em 1619, casado com Da. Inês de Leão, obteve enfiteuse de terras que iam do engenho de Diogo de Amorim Soares (Lagoa) até a “costa brava” (Leblon), correndo até a Gávea (Vidigal). Em 1606, Afonso Fernandes e sua esposa, Da. Domingas Mendes obtiveram carta de sesmaria da câmara que lhes davam o aforamento de “300 braças começadas a medir do Pão de Açúcar ao longo do mar salgado para a Praia de João de Souza (Botafogo) e para o sertão, costa brava, tudo o que houvesse”. Eram todos os terrenos de marinha do Leme ao atual Leblon, incluindo-se aí, é claro, a futura Ipanema. Pagavam foro de 1000 réis.
Em 1609, Da. Domingas, já viúva, trespassa esse aforamento a Martim de Sá (1575-1632), Governador do Rio de Janeiro (1602/08, e 1623/32), filho do então ex-Governador Salvador Corrêa de Sá, nascido em Barcelos (1542-1631, governou em 1568/72 e 78/98) para benefício do engenho que o mesmo possuía na Lagoa. Esse engenho, denominado de “Nossa Senhora das Cabeças”, não foi adiante, haja vista que Martim estava erguendo outro maior em terras que obtivera na aldeia de “Guaraguassú Mirim” (atual Barra da Tijuca). O aforamento então foi sendo aos poucos repassado, sucessivamente em 22 de junho de1609, das terras que iam desde o Pão de Açúcar até a “Praia Brava” (Leblon); em 23 de setembro de 1611 (mais terras); em 19 de julho de 1617 (para aumento de pastos); e em 1619 ao dono do “Engenho de Nossa Senhora da Conceição da Lagoa”, Sebastião Fagundes Varela. O aforamento era por 9 anos e tinha mais 400 braças para o sertão, permitindo a Varela explorar para pasto e extração de madeiras para seu engenho. Varela ficou assim, aos poucos, dono de todas as terras que iam do Humaitá ao Leblon. A extensão de suas posses abrangia 1700 braças de testada e 4.500.000 braças de área, que englobava a atual Lagoa Rodrigo de Freitas. Os terrenos pagavam foro de 6$400 réis ao “Senado da Câmara”. Esse latifundiário criava gado nessas praias, onde suas vacas pastavam entre cajueiros, ananases e pitangueiras.
Em 1702, a herdeira de Varela, sua bisneta, Da. Petronilha Fagundes (1671-1717), era uma solteirona de trinta e um anos, numa época em que as mulheres casavam com doze, ou até menos idade. Petronilha casou-se com um jovem oficial de cavalaria, Rodrigo de Freitas de Carvalho (1686-1748), natural de Suariba, Freguesia de Sam Payo de Visella, Termo da Vila de Guimarães. Ele com dezesseis anos. Alguns anos depois, em 1717, Rodrigo de Freitas, já viúvo, voltou para Portugal, onde passou a residir em sua quinta de Suariba. Lá morreu viúvo em 1748. Sua enorme fazenda, que englobava a Lagoa que lhe acabou por herdar o nome (e, igualmente, eternizar na topografia carioca o “golpista do baú” mais bem sucedido em nossa cidade...), será arrendada a particulares, ficando decadente até princípios do século XIX. Nada existia edificado. Ainda em 1645, o Governador Duarte Corrêa Vasqueanes proibira aos pescadores que edificassem suas casas na praia, com medo de um desembarque holandês para tomar o Rio de Janeiro.
Em 1808 o Príncipe D. João manda desapropriar o engenho da Lagoa por decreto de 13 de junho, com o fito de ali instalar uma fábrica de pólvora, aproveitando-se os terrenos circundantes para neles criar o Real Horto Botânico, origem do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Ele visitou essas terras em janeiro de 1809, sendo mal recebido pelos escravos e feitor do engenho, que abaixaram as calças à sua passagem. D. João ordenou depois a prisão dos escravos e a perda de todas as mercês e benesses ao feitor e proprietários daqueles chãos.
Era herdeira daquelas terras Da. Maria Leonor de Freitas Mello e Castro (1773-183?), filha de Rodrigo de Freitas Mello e Castro (1740-1803), e bisneta do primeiro Rodrigo de Freitas. Procedeu-se a avaliação da propriedade e a indenização. Julgada a adjudicação por sentença de 30 de janeiro de 1810, foi estipulada a quantia, sendo as terras incorporadas aos próprios nacionais, com as formalidades da lei de 28 de setembro de 1835. Da. Maria Leonor recebeu por estas terras R$: 42:193$430 contos de réis, pagos após a Independência em 1826. Os terrenos de marinha, que não interessavam aos propósitos do Jardim Botânico, foram repassados.
FAZENDA DE COPACABANA (IPANEMA)
Toda a orla marítima da zona sul possuía então o nome de “Fazenda de Copacabana”, e foi adquirida em 1808 por Da. Aldonsa da Silva Rosa, uma chacareira. Da. Aldonsa não ficou muito tempo com ela, tendo-a revendido em 1810 ao português Manoel dos Santos Passos, que, ao morrer, legou em testamento para seu sobrinho Antônio da Costa Passos, ficando com elas até 1819. Antônio, assim como seu tio, legou as terras em testamento para seu filho, João da Costa Passos. João era, em 1827, administrador da Capela de Nossa Senhora de Copacabana, na Ponta da “Igrejinha”, erguida antes de 1746 (provavelmente em 1732) e depois demolida. João não ficou, entretanto, muito tempo com suas terras de Ipanema, vendendo-as em 1820 para Inácio da Silva Melo. Inácio, ao morrer em 1843, deixou tudo para dois sobrinhos, Francisco da Silva Melo e Francisco Nascimento de Almeida Gonzaga e eles logo depois venderam tudo em 1844 para Bernardino José Ribeiro. Ano seguinte, Bernardino vende tudo ao empresário francês Carlos Leblon (ele assinava assim, Carlos, e não Charles, como muitos afirmam) o qual instalou no final da praia sua fazenda e empresa de pesca de baleias, a “Aliança”. O negócio ia bem, pois das baleias “espermacetes” do gênero “cachalote”, abundantes em nossos mares, extraía-se o famoso óleo, que era usado não só como “concreto” em nossa construção civil, muito estimulada pelo crescimento da cidade no Segundo Império, como igualmente servia como combustível para iluminação, atividade incrementada por D. Pedro II, que mandou ampliar a iluminação pública das ruas do Rio por lampiões de óleo de baleia, principalmente depois de sua ascensão ao trono em 1841. A pesca fazia-se não só de barcas baleeiras, apelidadas de “Alabamas” por provirem tais naves deste estado americano, como também do alto das pedras da praia, que por este motivo apelidou-se “Arpoador” (lá pelos idos de 1964, eu mesmo cheguei a ver baleias perto do Arpoador).
Em 1851, Irineu Evangelista de Souza, Barão e depois Visconde de Mauá (1813-1889), iniciou as obras para poder proceder à iluminação a gás no Rio de Janeiro, com os primeiros postes na rua Direita, atual Primeiro de Março. Em 25 de março de 1854 foi inaugurado este serviço, atingindo outros bairros além do Centro. Com isso, caiu o negócio da pesca de baleias no Rio, tendo Carlos Leblon vendido suas terras da “Fazenda Copacabana” em 1857 ao tabelião e empresário Francisco José Fialho (1820? -1885), que adquiriu a parte que ia da atual rua Barão de Ipanema, em Copacabana, até o pico dos Dois Irmãos. Fialho, envolvido em vários negócios (dentre eles a restauração do “Passeio Público”), vendeu suas terras em 1878, divididas em dois grandes lotes.
A área do lote um, correspondendo ao atual bairro do Leblon foi retalhada em três grandes chácaras, vendidas a particulares, um deles o português José de Guimarães Seixas, famoso por manter um quilombo em sua chácara no “Morro Dois Irmãos”, onde hoje está o Clube Federal.
O lote dois, que era o maior, e ia desde a atual Rua Barão de Ipanema ao que é hoje o Canal do Jardim de Alah, abrangendo desde o atual posto V em Copacabana até toda Ipanema, foi adquirida pelo fazendeiro e Comendador José Antônio Moreira Filho, carioca, 2o. Barão com Grandeza de Ipanema (1830-1899). Empreendedor, José Antônio logo pensou em criar ali um novo bairro, que batizou de “Vila Ipanema”, em homenagem a seu pai, o 1o. Barão e Conde de Ipanema, José Antônio Moreira (1797-1879), que era paulista.
Vale aqui ressaltar que até então a praia era conhecida desde o século XVIII como “Copacabana”, ou “Praia Grande de Fora”, sendo o nome indígena “Ipanema” (literalmente “água ruim”, em tupi), tirado de uma das propriedades do Conde em Minas Gerais.
Em 1878 todo o local era a morada predileta dos socós, preás e tatus; abundavam cajueiros, pitangueiras, araçazeiros e ananases. Era tudo um imenso areal, com pobres choupanas de pescadores. As restingas do Leblon e de Ipanema eram desertas, pois não havia água potável. Um par de casas com a indicação de ser a chácara de Paulino Antônio Andrade, dado como sendo talvez o primeiro morador do bairro. Um levantamento de 1879 atestava que existiam na “Praia Grande da Restinga” apenas sete casas, das quais só uma era de construção perene. Nesse mesmo ano, sua vizinha, a restinga do Leblon, já era mais animada: existiam 49 casas residenciais (duas de sobrado) na rua do “Sapê” (atual Dias Ferreira), rua do “Pau” (atual Conde de Bernadotte) e “Praia do Pinto”.
Verdade seja dita, a Praia do Leblon propriamente dita era deserta. No mesmo ano Copacabana contava 58 residências, sendo uma de sobrado. Um dos motivos da baixa procura da “Praia da Restinga” para moradia eram as freqüentes enchentes provocadas pelas chuvas na Lagoa Rodrigo de Freitas, que, só possuindo um vazadouro para o oceano, alagava os terrenos circundantes, destruindo as casas. Para resolver esse problema, apresentou o Barão de Ipanema um plano ao Govêrno Imperial para o saneamento da Lagoa. Pretendia o Barão captar as águas da Lagoa por enorme cano com um metro de diâmetro e conduzi-las por duto até a altura de Copacabana, onde desaguariam no Atlântico. O plano não foi adiante e é bem difícil que resolvesse alguma coisa, pois para Tal deságüe precisar-se-ía de duto muito maior. Só em 1920 foram realizados os canais que resolveram o problema.
Os limites do futuroso bairro, à época eram: a “Praia Grande”, cortada de ponta a ponta em 1893 por um “boulevard”, origem da avenida Vieira Souto; o “Morro da Caieira”, depois rebatizado para “Cantagalo”; parte das areias de Copacabana; a “Praia de Fora”, hoje Praia de Ipanema; o bolsão entre Leblon e Ipanema, hoje canal do “Jardim de Alah”, que era o canal natural de descarga da Lagoa; a “Ponta do Pau Comprido”, hoje ilha do “Clube dos Caiçaras”; e a “Praia Saneada”, hoje é a av. Epitácio Pessôa.
Existiam apenas meia dúzia de simples trilhas por todo o areal, usadas pelos pescadores, trilhas essas que cortavam até a Praia de Fora. As principais vinham de onde hoje está a rua Aníbal de Mendonça (ex-rua Dário Silva, ex-rua Jangadeiros, reconhecida em 1922) até a rua Prudente de Morais (sempre teve essa denominação, reconhecida em 1917); da atual rua Garcia D`Ávila (ex-rua Pedro Silva, reconhecida em 1922) até a Barão da Torre (ex-rua 28 de agosto, reconhecida em 1917) e Praça General Osório (ex-praça Ferreira Viana, ex- praça Floriano Peixoto, reconhecida em 1922). Desta prossegue por caminhos onde hoje estão as ruas Saint-Romain e Francisco Sá, derivando por uma picada até a “Pedra do Arpoador”. Outras picadas davam em um descampado, onde hoje é a Praça N. Sra. da Paz (antiga Praça Coronel Henrique Valadares e Praça Souza Ferreira, reconhecida em 1917).
No ano de 1888 surgia a primeira rua com nome, a “Rua 20 de Novembro”, atual Visconde de Pirajá, batizada em homenagem às datas do aniversário e casamento da Baronesa de Ipanema, Da. Luiza Rudge, nascida a 20 de novembro de 1838, e casada nessa mesma data vinte anos depois. A Baronesa faleceu em 1891, sem ver o bairro desenvolver-se. Deixou cinco filhos: Luísa de Ipanema Moreira, José Jorge Moreira, Sofia Emília Moreira, Laurinda de Ipanema e Carlos de Ipanema. Quanto à “Rua 20 de Novembro”, o caminho primitivo já existia desde 1809. Era a rua interna da “Fazenda Copacabana”.
A empresa de urbanização do novo bairro foi formada em 1883 pelo Barão (titulado de “Ipanema” por decreto de 13 de março de 1885, ampliado para “Com Honras e Grandeza”, por decreto de 05 de julho de 1888) e por seu sócio, o Coronel Antônio José Silva (que não tinha título algum). Projetou as ruas o engenheiro da prefeitura e economista Luís Raphael Vieira Souto (1849-1922), que acabou sendo homenageado dando seu nome à via que margeava a praia. Antes teve o nome de avenida “Meridional”. A avenida foi duplicada em 1915/1916, quando ganhou arborização central. Na obra, trabalharam mendigos e desocupados recolhidos pela Prefeitura das ruas. Só tomou a denominação atual em 1917. Na época, não era a via mais importante.
BONDES PARA IPANEMA
A 27 de abril de 1893, o Prefeito Dr. Cândido Barata Ribeiro (1847-1910) fez uma excursão de inspeção à Copacabana, Leme e Ipanema. Como não estavam prontas as últimas duas linhas, o Prefeito saltou na estação de Copacabana, fazendo o resto do percurso a cavalo. Chegando à “Igrejinha” (era a Igreja de Nossa Senhora de Copacabana, fundada antes de 1746 e demolida em 1918. Hoje lá existe o “Campo de Marte” do “Forte de Copacabana”), embarcou o prefeito num bonde provisório ali assentado pelo Coronel José Silva, sócio do Barão, percorrendo então as obras de arruamento pelo Arpoador.
Curiosamente, o Coronel Silva mantinha uma atividade paralela de “peixeiro”, tendo solicitado permissão, em maio de 1893 ao Gerente Coelho Cintra, para atrelar um reboque com carregamento de peixes aos bondes da “Companhia Jardim Botânico”, com o fito de vendê-los na cidade. Desde 1869 era arrendatário por nove anos do “Mercado do Largo do Paço”, erguido em 1842 onde hoje está o prédio da “Bolsa de Valores”. O Coronel era também, desde 1896, Provedor da “Capela de Nossa Senhora de Copacabana”, sendo Vice-Provedor o médico João Ribeiro de Almeida, Barão Ribeiro de Almeida (1827-1908), Presidente da “Companhia Jardim Botânico”, ficando como Mesário o Barão de Ipanema. A permissão do transporte foi concedida e os “bondes peixeiros” rodaram por algum tempo, no que não deve ter agradado muito aos usuários. Uma prova disso é que em junho de 1899, o “Conselho Municipal” tentou proibir por lei os “bondes peixeiros”, mas o prefeito vetou a medida.
A 19 de janeiro de 1894, o Presidente da “Companhia Jardim Botânico”, engenheiro Malvino da Silva Reis (1830? -1896), que igualmente era vereador e Coronel da Guarda Nacional, assina um contrato com o engenheiro Prefeito Coronel Henrique Valladares, piauiense, visando levar as linhas de bondes para o Leme e “Igrejinha” (atual Posto VI). Quatro meses de frenéticas obras tornaram-na uma realidade.
INAUGURAÇÃO DE IPANEMA
A “Vila Ipanema” foi inaugurada a 15 de abril de 1894 pelo Prefeito Henrique Valladares, amigo do Barão e do Coronel Silva, que no mesmo dia estava também inaugurando a ampliação das linhas de bonde da empresa de “Ferro Carril do Jardim Botânico”, da Praça Malvino Reis (atual Serzedelo Correia), até a ponta da “Igrejinha”, próximo à rua Francisco Otaviano. A excursão oficial percorreu toda a linha de bondes, do Centro à Copacabana, indo primeiro ao Leme, depois à “Igrejinha”. Ao chegar neste ponto, houve a cerimônia oficial de inauguração e um banquete, tendo o Prefeito percorrido Ipanema por uma linha provisória de bondes puxados a burro por trilhos de madeira, que iam até o final do Arpoador, onde a “Sociedade Copacabana Sport” havia adquirido terras para ali erguer um grande estabelecimento de banhos. A iniciativa dessa linha provisória foi do Coronel Antônio José Silva, que foi estendendo os trilhos conforme os lotes eram vendidos. Esta primitiva linha de bondes sobreviveu até 1903.
Apesar da festa de inauguração ter sido no dia 15, só no dia 26 de abril de 1894 é que foi assinada por todos a ata de fundação definitiva do bairro “Villa Ipanema”. Em virtude disso, até hoje Ipanema comemora seu natalício em 26 de abril, e não a 15, como seria o lógico.
Vale ressaltar que o então Presidente da “Companhia Ferro Carril do Jardim Botânico”, Dr. Alfredo Camilo de Valdetaro, havia pedido em fevereiro sua demissão, por achar o empreendimento de levar as linhas de bonde a terras tão distantes um fiasco. Não fosse a prévia assinatura por seu antecessor, o Coronel Malvino da Silva Reis, de um contrato entre a “Companhia” e a Prefeitura para extensão da linha, tão cedo o bonde não chegaria à Ipanema. Na mesma época, a “Companhia Jardim Botânico” começou a promover o novo arrabalde, e colocou um cartaz em suas estações, dizendo o seguinte: “Bondes em quantidade para as Praias do Leme e Ipanema. O luar é encantador, sendo as noites muito frescas, graças aos ares do alto mar”. Como se percebe, possuía a “Companhia” muito interesse na prosperidade dos novos arrabaldes.
Já em 1896, o “Conselho Municipal” cogitava de outra linha para o Leblon, haja vista o sucesso da concessão anterior. Do termo de fundação consta a abertura de dezenove ruas e duas praças. Os critérios para escolha dos nomes dos logradouros foram os seguintes: 1o. homenagear parentes e datas alusivas à família do Barão; 2o. homenagear parentes e amigos do Coronel; 3o. homenagear personalidades e políticos envolvidos com a empresa. A prefeitura reconheceu essas ruas em 1917, mas mudou o nome de algumas. Logo depois, em 1922, o Prefeito Carlos Sampaio (1920-1922) mudou o nome de outras para homenagear vários heróis da “Independência do Brasil”, particularmente da Bahia.
A 27 de agosto de 1901 a Companhia Jardim Botânico assinou outro contrato com o engenheiro Prefeito João Felipe Pereira, cearense, comprometendo-se a levar os bondes até a Vila Ipanema, conquanto a “Companhia Urbanizadora” se comprometesse a abrir as ruas. No dia seguinte, foi inaugurado mais um trecho da linha da “Igrejinha”, chegando os bondes até a altura da atual rua Bulhões de Carvalho, antiga rua “Divisa”.
Em 1898 o Prefeito Luiz Van Erven, engenheiro e acionista da “Jardim Botânico”, isentou de qualquer imposto as construções do novo bairro, benefício que foi ampliado em 1902 para dez anos. Em 1905 o Prefeito Francisco Pereira Passos (1836-1913) voltou atrás e revogou tal decreto, submetendo Ipanema aos mesmos impostos de outros bairros da zona sul. Com a revogação de tal benefício, foi no ano de 1905 constituída uma empresa de urbanização para continuar os trabalhos do Barão de Ipanema e do Coronel Silva, que haviam falecido. Era dirigida por Raul Kennedy de Lemos e Octávio da Rocha Miranda (1884-1954). Raul Kennedy foi um dos maiores “grileiros” do Rio de Janeiro, tendo, durante muitos anos, demandado na justiça contra Otto Simon pela posse das terras de Copacabana, do Lido até a rua Paula Freitas.
BONDES ELÉTRICOS EM IPANEMA
Prefeito Joaquim Xavier da Silveira mandou instalar a luz elétrica no bairro em 1901, sendo oficialmente inaugurada em 20 de janeiro de 1902, quando ainda se contavam suas casas nos dedos das mãos. A luz ainda era fornecida pela “Societé Anonimé du Gaz”, cuja concessão era privilegiada. A “Light” só começaria a funcionar em 1907, quando inaugurou sua represa em “Ribeirão das Lages”. Só então começou a existir iluminação domiciliar, antes impossível.
Com luz elétrica no bairro, mesmo precária, pôde a “Companhia Jardim Botânico” estender sua linha de bondes elétricos até Ipanema em 1902, sendo o serviço inaugurado oficialmente pelo Prefeito Pereira Passos a 14 de junho de 1903 (naquela época, instalava-se o serviço primeiro, deixava-se funcionar por algum tempo, e aí sim depois se inaugurava oficialmente). A solenidade de inauguração da tração elétrica nos bondes foi muito concorrida, participando da mesma importantes personalidades. Dentre elas, merece destaque o Sr. Joaquim José Moreira Filho, representando seu irmão, o finado Barão de Ipanema.
Os bondes percorriam os doze quilômetros desde o Largo da Carioca até Ipanema em 80 minutos, com ponto final na “Praça Marechal Floriano Peixoto” (hoje General Osório), sendo que em 1903, foi a Praça oficialmente inaugurada pelo Prefeito Passos. Ele mesmo inaugurou a nova estação, na esquina da “Rua 20” com a praça (vale aqui o que já foi dito anteriormente. A dita estação já funcionava desde 02 de junho de 1902, mas só foi oficialmente inaugurada ano seguinte). Essa estação foi abaixo nos anos 60, sendo a construção antiga substituída por um prédio residencial moderno projetado por Oscar Niemeyer (n.1907). Ressalte-se que no mesmo dia era inaugurada a eletrificação do ramal do Leme. O Prefeito passos foi saudado por festas e muitos fogos de artifício e até explosivos de dinamite. Logo após as festas, sapecou uma multa de 50$000 na “Firma Kennedy/Miranda”, pois pouco antes editara postura proibindo fogos de artifício na cidade. Aparte a “gafe”, a inauguração foi um sucesso.
Esta “Praça Marechal Floriano Peixoto”, surgida em 1894, e que era mais importante do bairro de Ipanema, foi aterrada em 1905 com aterro do Morro do Castelo e das demolições no Centro resultantes da abertura da
Avenida Central. Recebeu em 1914 seu monumento mais antigo até hoje. O velho “Chafariz das Saracuras”, erguido por Mestre Valentim da Fonseca e Silva (1745-1813) em 1791 no pátio interno do Convento da Ajuda, no Centro, e dali removido quando da demolição do dito convento em outubro de 1911. Esse chafariz andou um pouco. Em 1911 foi colocado na “Praça Malvino Reis” e, três anos depois, levado para Ipanema.
No mesmo ano de 1914, a “Companhia Jardim Botânico” estendeu a linha de bondes até o “Bar 20”, no final de Ipanema, quando a rua ainda se chamava “20 de Novembro”. A “virada do bonde” era na “Praça 20 de Novembro”, hoje rebatizada para “Alcazar de Toledo (sic!)”. Em 1938 prolongaram a Visconde de Pirajá, que por meio de ponte passou a cruzar o canal da Lagoa, conduzindo os bondes ao Leblon sem precisar fazer o contorno pela praia.
Já o tal “Bar 20”, era na atual Visconde de Pirajá, quase esquina de rua Henrique Dumont. Fundado em 1903, durou até meados de 1950. Em 02 de dezembro de 1913 a “Companhia Jardim Botânico” obteve permissão da Prefeitura para estender suas linhas de bonde de Ipanema por Leblon e Gávea, mas a obra demorou muito. Como já foi dito, só ano seguinte a linha atingiu os limites do bairro. Em 1918 chegou ao Leblon, que ainda não possuía prédios na praia e muito depois à Gávea. Com isso a Delfim Moreira começa a ser valorizada. Em 1912 faziam a linha de Ipanema 45 bondes, durando o percurso 47 minutos desde o Centro. Os intervalos entre os veículos era de 10 minutos e, por dia, corriam 235 viagens.
Em 1916 usavam-se 49 bondes, levando o percurso do Centro à Ipanema 56 minutos. O intervalo de tempo entre as composições ainda era de 10 minutos, e o número de viagens ainda era 235 por dia. Para estimular a ocupação do bairro, a Prefeitura fez um acordo em 1916 com a “Companhia Jardim Botânico” para baixar o preço das passagens.
Como já foi dito atrás, até 1918 Ipanema era bairro final de linha. O bonde vinha de Copacabana pela Francisco Otaviano, ia até a praia de Ipanema e entrava na Teixeira de Melo, onde na esquina com rua Visconde de Pirajá ficava a estação.
Em 1914 o bonde passou a correr toda a Visconde de Pirajá, até a altura de Henrique Dumont, onde fazia a volta. Somente em 1918 seria construída uma ponte de concreto sobre o canal da Lagoa Rodrigo de Freitas, ligando a Vieira Souto à Avenida Delfim Moreira, aberta também em 1918, mas só inaugurada ano seguinte pelo Prefeito Paulo de Frontin (1860-1933). Então o bonde passou a descer pela Henrique Dumont até a praia, aí pegava a nova ponte sobre o canal e entrava na Delfim Moreira (ainda sem construções). Lá entrava pela Afrânio de Mello Franco (idem) e dobrava na Ataulfo de Paiva (idem), por ela percorrendo todo o Leblon.
Em 1920/22 essa ponte seria melhorada pelo Prefeito Carlos Sampaio, com projeto do engenheiro Francisco Saturnino de Brito (1864-1929) cujo filho, o também engenheiro Fernando Saturnino de Brito (1914-196?) era morador da Barão da Torre, 698; e, até 1938, foi a única ligação de Ipanema com Leblon. Quando era dia de ressaca, o Leblon ficava isolado. O dito bairro do Leblon só surgiria em princípios dos anos vinte, por intermédio da “Empresa Industrial da Gávea”, dos engenheiros Adolfo José Del Vecchio, José Ludolf e Miguel Braga. Só a partir de 1918 ganhou bondes e benefícios urbanos e pôde então sediar belas casas na praia.
Diga-se a verdade, o Engenheiro Del Vecchio era o grande “remendão” das praias da zona sul, haja vista que ele reconstruiu as avenidas Atlântica, Vieira Souto e Delfim Moreira, após as três grandes ressacas que destruíram- nas em 1918, 1921 e 1923.
No ano de 1931, apenas doze bondes faziam a linha de Ipanema. Apesar de serem menos veículos, eram mais eficientes, pois o número de viagens/dia continuou sendo 235, o tempo entre as composições continuou a ser dez minutos, e o número de passageiros aumentou, já que os novos bondes eram maiores e mais rápidos.
Nos anos 30, a “Light” fez uma casa de força para o serviço dos bondes elétricos, na Teixeira de Melo, 57. Graças a isso, em 1938, fez-se a conexão da linha dos bondes elétricos do Leblon com os da Gávea. Eram então quatro linhas de bondes passando pelo bairro.
A partir de 1909, foi arrendada por contrato parte da “Companhia Ferro Carril Jardim Botânico” a “Light”, entretanto, continuou como companhia independente até 1946, quando foi incorporada definitivamente e passou a pertencer à “Light”. Depois da 2a. Guerra, em 1950, desinteressou-se a “Light” pelos bondes, já que a legislação da época dificultava a importação de peças. Ao mesmo tempo, a “Light” estava investindo em ônibus a diesel, considerado o transporte coletivo mais eficiente naquele momento. Com a criação do “Estado da Guanabara” em 1960, iniciou o governo estadual guerra à “Light”, pois era objetivo político a “estadualização” dos transportes coletivos. Em 1962 o Governador Carlos Lacerda (1914-1976) extinguiu os bondes de Ipanema, tomando os motorneiros “porre” de despedida no “Bar Zeppelim”.
ÔNIBUS PARA A ZONA SUL
A primeira linha de ônibus para a Zona Sul da cidade surgiu em 1908, por iniciativa de Octávio da Rocha Miranda, com ônibus saindo do Centro para a Urca. Sua intenção era levar uma linha para Ipanema, mas a “Companhia Jardim Botânico” fez muita oposição. Só depois que a “Light” encampou a Companhia em 1916 é que surgiram as primeiras linhas de ônibus para Copacabana.
A linha de ônibus para Ipanema surgiu em 1923, ligando o Centro à Ipanema e Leblon. A iniciativa coube ao português Manoel Lopes Ferreira (1873-1931), que criou uma companhia para tal finalidade. Posteriormente, a própria “Light” criaria sua empresa de ônibus, a “Excelsior”, com várias linhas para Copacabana, Ipanema e Leblon. Durante a Segunda Guerra Mundial, a crise de combustíveis fez com que diminuísse muito o número de ônibus em circulação, deixando o maior encargo dos transportes para os bondes, que não davam conta do recado.
Em conseqüência disso, surgiram os “lotações”, veículos “piratas” que transportavam passageiros. O mais famoso, e que fazia a linha de Ipanema foi o célere “Lagosta”, que era um carro de passeio adaptado, expandido com outra carroceria para receber até doze passageiros. Era todo pintado de abóbora, daí o apelido. Eu ainda cheguei a vê-lo, estacionado no Humaitá, em meados de 1960, ainda com a cor original. Funcionava então como veículo turístico. Foi o antepassado das nossas “vans”.